Por Gregory Fung e Christopher Fun
Ao longo dos tempos, medicina e fé nunca se deram lá muito bem. Se, de um lado, os profissionais de saúde costumam atribuir a possibilidade de cura aos corretos tratamentos, por outro, muitos religiosos tendem a maximizar a importância da intervenção divina em detrimento da eficiência médica. De uns tempos para cá, contudo, tem havido uma frutífera aproximação entre os dois segmentos. Tanto, que um estudo recentemente realizado pelo Departamento de Pesquisa de Saúde dos Estados Unidos concluiu que a maioria – 70% – dos médicos pesquisados acreditam que milagres acontecem ainda hoje. Ainda assim, menos de 29% acreditam que os resultados dos tratamentos têm relação com “forças sobrenaturais” ou “ação de Deus”. Mais de 1,1 mil profissionais de saúde participaram da pesquisa.
Há, nos estudos sobre oração na medicina, uma linha que demarca a batalha entre santos e céticos: os cristãos procuram a prova científica da eficácia da oração. Já os críticos buscam o contrário – minar a fé religiosa. Seja bom ou não, muitas tentativas têm sido levadas a cabo no sentido de avaliar o papel exercido pela intercessão na cura. O primeiro estudo conhecido foi publicado em 1872, pelo inglês Francis Galton, autoridade em várias ciências, que não encontrou qualquer evidência estatística de que a oração prolonga a vida de pessoas enfermas. Ressalte-se, que à sua época, levantamentos do gênero careciam de rigor científico.
Mais recentemente, vários experimentos com oração chamaram a atenção de evangélicos ansiosos para encontrar ligação entre fé e ciência. Um estudo de 1983, de Randolph Byrd, elevou os ânimos de forma especial. Ele observou 393 pacientes da cardiologia do Hospital Geral de São Francisco. Cerca de metade recebeu oração de pessoas consideradas cristãos consagrados, que oravam diariamente e eram ativos em suas comunidades religiosas. A outra metade, que serviu como grupo de controle, não foi alvo de nenhuma ministração de natureza espiritual. Nesse estudo, a melhora dos que receberam orações superou de forma significativa a observada entre os integrantes do grupo de controle. Mesmo assim, não se pode dizer que o trabalho de Byrd tenha sido capaz de servir de evidência da atuação direta de Deus na cura, já que foi criticado depois de sua publicação por ter apresentado medidas de resultados inválidas, métodos estatísticos inapropriados e suspeita de erros.
Há três anos, contudo, vieram a público resultados de um estudo notável, programado cuidadosamente para acabar com o debate. Na época da publicação, recebeu certa atenção, mas passou despercebido para muita gente devido às conclusões surpreendentes – e perturbadoras – até para os crentes. O Estudo sobre os efeitos terapêuticos da oração de intercessão (STEP – sigla em inglês), realizado com o patrocínio do Departamento de Medicina da Universidade de Harvard, foi, de longe, o mais abrangente feito até hoje. Levou 10 anos para ser concluído, custou 2,4 milhões de dólares e foi, em sua maior parte, sustentado pela Fundação John Templeton, que apoia estudos sobre a relação entre religião e ciência.
O STEP foi simples e elegante, segundo todos os padrões, normas e protocolos de pesquisa: 1.800 pacientes submetidos à implantação de marcapassos cardíacos foram divididos, aleatoriamente, em três grupos. Dois deles receberam oração de cristãos comprometidos, com prática de orar por enfermos, sendo que só em um dos grupos os membros sabiam que havia alguém orando por eles. O resultado: o grupo em que os pacientes sabiam das orações apresentou mais complicações e recuperação mais difícil do que os que não sabiam se havia, ou não, alguém orando por eles. Curiosamente, o fato de alguém saber que havia um grupo de intercessores orando em seu favor teve um impacto negativo sobre sua saúde.
Houve comparação, também, entre os dois grupos que não sabiam se estavam sendo alvo de preces. Nesse caso, o grupo que recebeu oração apresentou mais complicações graves do que o pessoal que ficou sem oração. Em outras palavras, o estudo parece mostrar que a oração – pelo menos a feita por estranhos – pode ser prejudicial à saúde. O resultado da pesquisa pode ter decepcionado quem esperava ver efeitos positivos da intercessão, mas também surpreendeu os céticos, que não houvesse qualquer efeito.
Praticidade X mover de Deus –As respostas dos evangélicos incluíram a observação de que muitos pacientes oravam por si mesmos e tinham parentes também orando por eles (96% relataram exatamente isso). Essa realidade pode acabar com qualquer efeito das orações da pesquisa. Outros cristãos alegam que a investigação da oração de intercessão é problemática, já que os exemplos de cura física através de oração direta relatados no Novo Testamento sempre aconteceram como resultado da oração presencial – cenário impossível de se testar sem que os participantes saibam o que ocorre. Uma terceira resposta, como disse um conhecido capelão hospitalar, foi simplesmente a de que Deus não está sujeito a pesquisas científicas.
O escritor cristão C.S.Lewis pensou em um estudo sobre oração bem estruturado, mas não esperava resultados positivos e mensuráveis. “O problema é que não vejo como a verdadeira oração possa acontecer sob tais condições,” disse ele. “Mera repetição de orações não é orar. Se fosse, bastaria treinar bem um grupo de papagaios e eles seriam tão úteis quanto os homens na experiência”. Ele defendia que tal abordagem da oração a reduzia a um tipo de mágica – “Alguma coisa que funciona automaticamente”, explicou. Sendo assim, qualquer estudo como o STEP estaria fadado ao fracasso, já que tais esforços sempre acabam tentando medir resultados práticos, e não o verdadeiro mover de Deus.
Ironicamente, o STEP acaba confirmando a visão cristã do mundo. Afinal, orações não têm – ou não deveriam ter, pelo padrão bíblico – nada a ver com encantamentos. O verdadeiro nó górdio do estudo não é que o grupo que recebeu oração se saiu pior, mas sim, que as pessoas que não foram alvo de súplicas acabaram recebendo tantas, se não mais, bênçãos de Deus quanto as outras. Em outras palavras, o Senhor, aparentemente, distribuiu seu favor a despeito da quantidade e até da qualidade das orações. Coerente a seu caráter, ele parece inclinado a curar e abençoar o maior número de pessoas possível. É como se o Senhor mal conseguisse se controlar (embora o faça muitas vezes) e deixar de intervir e romper a natureza do universo para cuidar de quem ele ama – ainda que quem seja alvo dessa graça reconheça o fato ou não. Deus respondeu as orações dos grupos do estudo, mas, acima disso, respondeu as dos pacientes, dos amigos e parentes deles, e talvez até dos que nem sabiam que havia alguém orando.
Amor de Deus – Se isso for verdade, então surge uma questão incômoda: “Se Deus já é tão generoso, por que tanto empenho na oração?” Essa é outra maneira de expressar a verdadeira pergunta – “Qual é o mínimo que se exige de mim para que minhas orações sejam respondidas?” Tais indagações expõem a fraqueza do desejo modernista de saber se a oração “funciona”. Ao descobrir que Deus responde constantemente as orações, deparamo-nos com a realidade mais profunda e perturbadora de que, com freqüência, ele não nos dá o onde, quando e como que desejávamos.
A Bíblia confirma essa realidade. Deus, por exemplo, respondeu as orações e libertou o povo da opressão de Faraó, mas a resposta – que demorou, mas chegou – foi inesperada, imprevisível e nem um pouco tranquila, pois demandou uma longa peregrinação pelo deserto, o perigo de atravessar o mar e as agruras da caminhada por décadas a fio. Da mesma forma, a resposta divina ao clamor pela libertação do jugo romano foi ainda mais inesperada e, para muitos, simplesmente inaceitável. Diante disso, não surpreende que Jesus tenha ensinado seus seguidores a orar ao Pai usando os seguintes termos: “Seja feita a tua vontade”, como ele mesmo suplicou todo o tempo que passou no Getsêmani. Diante de tudo isso, a obsessão em descobrir se a oração funciona é a questão errada. Sabe-se que ela funciona – a verdadeira questão é se estamos prontos ou não para a resposta de Deus.
Não é surpresa que os preparados para a resposta divina ao clamor de Israel por um Messias foram os que oravam. Ana, a profetisa que passou a maior parte da vida em adoração no Templo, foi uma das primeiras a reconhecê-lo. Lídia, que entendeu a verdade do Evangelho e abriu a porta para Filipe, estava no lugar certo e na hora certa porque estava orando. Então, o motivo de orarmos não é apenas receber respostas de Deus. Oramos também para sermos capazes de reconhecer e receber a resposta do Senhor, saber como responder e, talvez, ver o próprio Deus.
A maioria dos médicos acredita em milagres e na realidade de causa e efeito no exercício de sua profissão. E as intervenções divinas acontecem para todos porque somos amados por Deus, quer estejamos em rebeldia contra ele ou não. Resta aos médicos, e a nós, decidir como vamos reagir. Deveríamos ser sábios e evitar aplicações mágicas ou mecânicas do Evangelho, que definitivamente não pode ser entendido e vivido dessa maneira. O STEP nos incentiva a acreditar que Deus está ansioso para responder nossas súplicas, aparentemente sem dar muita atenção à nossa competência para orar ou, em certas ocasiões, inclusive à nossa ortodoxia. Isso deveria nos dar confiança para agir, acreditar e trabalhar ao lado de um Senhor bom e generoso, que nos convoca para trabalharmos em seu Reino levando cura e oração ou mundo.
Gregory Fung é bioquímicoem Harvard e Diretor Regional da InterVarsity Christian Fellowship, em Boston (EUA); Christopher Fung, seu filho, é patologista e membro da Igreja da Rua LaSalle, em Chicago, também nos EUA
Fonte: Cristianismo Hoje
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