sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Idéia da Salvação Pela Graça

A Idéia da Salvação Pela Graça

Herman Hoeksema
 


"Porque pela graça sois salvos." (Efésios 2.8)

O assunto sobre o qual são discutidos diversos aspectos nas páginas seguintes não deve precisar de introdução aos crentes em nosso Senhor Jesus Cristo. Que somos salvos pela graça, não pelas obras, e que, portanto, a salvação é obra de Deus, de nenhum sábio do homem, é uma verdade que diz respeito à essência do Evangelho. "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus" (Efésios 2.8). A doutrina da salvação pela graça é uma das verdades fundamentais da fé cristã da qual o conhecimento verdadeiro e o correto entendimento são de grande importância para a Igreja de Cristo no mundo e para o crente individualmente. Aquele que erra neste ponto deve ter necessariamente uma concepção errada de todo o resto da doutrina cristã e corrompe a verdade sobre Deus e o homem, concernente ao pecado e redenção, e a respeito de Cristo e da Igreja. Além disso, é um assunto de grande importância prática para o crente, um que nunca deixa de despertar seu interesse. Ele percebe que se trata de seu único conforto na vida e na morte: ou ele é salvo pela graça apenas, ou ele precisa morrer. Assim, ele nunca se cansa de ouvir o evangelho da salvação pela graça soberana proclamada e exposta a ele em todas as riquezas de suas implicações. E conforme ele cresce no conhecimento desta verdade, ele cresce na graça do Senhor Jesus.

Não admira, então, que a partir do período mais antigo da história da igreja do Novo Testamento este tema ocupou um lugar central. Foi o tema de milhares de sermões. Muitos volumes foram escritos para expor e defender esta verdade. É o tema de milhares de hinos. Muitas vezes foi motivo de afiada controvérsia. Hoje em dia se pode ouvir da salvação pela graça em sermões e músicas, do púlpito e ao ar livre, literalmente todos os dias. E se, talvez, possa parecer quase impossível dizer qualquer coisa sobre um assunto tão amplamente esgotado que já não tenha sido dito centenas de vezes antes, nós podemos nos confortar com o pensamento de que pode ser possível, pelo menos, recordar algumas verdades bem antigas em conexão com o nosso assunto e que tenham sido esquecidas ou negadas em tempos modernos.

Nosso tema é, naturalmente, rico em significado e apresenta vários aspectos. Dizer que nós somos salvos pela graça expressa a verdade de que a salvação pertence ao Senhor. Isso deve ser enfatizado desde o início. Pois a graça é de Deus, e Deus é livre e soberano. Sermos salvo pela graça, então, significa que a graça é a única fonte, a única explicação, a razão última e o fundamento da nossa salvação, a causa eficiente de tudo o que está implícito na obra de nossa redenção e libertação do pecado e da morte. Somos salvos pela graça somente, sem o trabalho ou a cooperação do homem, ou nós não somos salvos pela graça em absoluto. Assim, aquele que fala da salvação pela graça, deve compreender que está falando de uma obra completamente divina. Mas todas as obras de Deus são eternas. Assim, a salvação pela graça tem sua origem na eternidade, e não se pode tratar adequadamente o tema da graça sem considerar a verdade fundamental da eleição divina e soberana: somos escolhidos pela graça. Pois Deus "nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor" (Efésios 1. 3, 4). A graça é soberana. Ela é divina e, portanto, eterna. Das profundezas inescrutáveis da eternidade jorra todas as bênçãos espirituais que nos levanta do fundo escuro do pecado e da morte para a glória da vida eterna: as bênçãos da expiação e da reconciliação, da redenção e da libertação, da regeneração e do chamado, de justificação e santificação, do perdão dos pecados e da adoção para os filhos de Deus, da preservação e da perseverança, da ressurreição dos mortos e da glorificação final. Todas essas bênçãos da salvação são de pura graça: pois "isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece" (Romanos 9.16). E todos estes diferentes aspectos da salvação pela graça demandam a nossa consideração.
No entanto, podemos fazer bem, em primeiro lugar, ao considerarmos a questão mais geral: "o que é a salvação?" Esta questão não é de forma alguma supérflua. Pois, por um lado, a nossa resposta a esta questão deve necessariamente depender de nossa concepção da parte que a graça tem em nossa salvação e, por outro lado, especialmente nos tempos modernos, a verdade sobre a salvação é distorcida e corrompida em mais de uma maneira.

A salvação não é o mesmo que reforma ou melhoria do homem e do mundo; nada tem em comum com a noção moderna de construção do caráter. Essa concepção modernista reconhece, de fato, que o homem não é o que ele deveria ser. Há algo de errado com ele e com o mundo que ele está construindo. Especialmente em nossos dias, agora que toda a estrutura imponente da cultura e civilização humana corre o risco de colapso, isto é profundamente sentido. No entanto, mantém-se que o homem não é inerentemente corrupto. Ele é fundamentalmente bom. Mas ele precisa de reforma. Temos de nos aplicar à reforma do homem, à construção de seu caráter, assim como à melhoria do seu ambiente. E nesse esforço nobre temos de ter Jesus como nosso exemplo e transformar os Seus ensinamentos, especialmente ao Sermão da Montanha, em nosso programa de reforma. Se o homem apenas aprender a seguir os Seus passos, e aplicar os Seus ensinamentos em toda a sua vida e relacionamentos, ele será salvo. Ele, então, aprenderá a reconhecer que, como Jesus, ele também é filho de Deus; que Deus é o Pai amoroso de todos, e todos os homens são irmãos. E assim ele vai se tornar uma boa e pacifica criatura, capaz de fazer do presente mundo um reino de Deus no qual habitará a justiça. É desnecessário dizer que, em tal ponto de vista da salvação, não há espaço para a graça. A salvação é obra do homem orgulhoso, não de Deus. E é completamente supérfluo provar que esta filosofia humana nada tem em comum com o evangelho bíblico da salvação.

No entanto, não é apenas nos círculos modernistas que alguém encontra uma apresentação pervertida da verdade da salvação. Pelo contrário, aqueles que pregam ostensivamente o evangelho de Cristo, mas ao mesmo tempo apresentam a questão da salvação como algo cuja realização em última análise depende da vontade do homem, também distorcem a doutrina da graça soberana. Salvação, de acordo com esta visão, é como um presente que está tudo preparado e que é oferecido livre e gratuitamente, mas que alguém poderá recusar ou aceitar. Ou ela é como um amável convite para alguma festa ou banquete, ao qual qualquer um pode educadamente aceitar ou recusar. Assim ao pecador é oferecida a salvação, que consiste principalmente em escapar do inferno e entrar no céu depois desta vida, na condição de que ele aceite a Cristo. Esta salvação é toda preparada para o pecador. Em si mesmo, ele está condenado, digno de morte eterna. Mas, Cristo morreu por todos os pecadores, e obteve o mérito do perdão dos pecados, justificação e glória eterna para todos.

Até agora é tudo de graça.

E que o evangelho é pregado aos pecadores e essa redenção gloriosa lhes é oferecida livremente, isso, também, é de graça.

Mas é neste ponto que a salvação como uma obra da graça e poder divino termina. Pois para além da redenção obtida pelos méritos de Cristo e da salvação oferecida, a graça não é soberana e eficaz: é impotente para salvar e realmente libertar do domínio do pecado e da morte, exceto por consentimento do pecador. Se o pecador apenas aceitar a salvação que lhe é oferecida, se ele disser: "Eu aceito Cristo como meu Salvador pessoal", tudo estará bem com ele, e a graça pode avançar; mas se ele for recalcitrante, e teimosamente se recusar o sério convite para ser salvo, a graça nada pode fazer com ele. Muitos pregadores não hesitam aberta e corajosamente em declarar que Deus é impotente para salvar o pecador a menos que este dê o seu consentimento, e que Cristo não pode fazer mais do que Ele fez a menos que o pecador lhe permita prosseguir com a Sua obra de salvação. Jesus está disposto a salvar, mas Sua vontade deve sofrer um naufrágio na rocha da contrária e refratária vontade do homem. Ele está à porta do coração do pecador e bate, mas a chave da porta está no interior, e o Salvador não pode entrar, a menos que o pecador abra a porta.

Daí surge aquela forma muito comum de pregar que é erroneamente chamada de evangélica e que sempre atinge o seu clímax no bem conhecido e extremamente sensacionalista "chamado ao altar". Digo erroneamente, pois a "pregação evangélica" é a pregação do evangelho, e a verdade do evangelho nunca apresenta um Deus sem poder ou um Cristo impotente para salvar. Visto que a graça de Deus é dependente da escolha da vontade do pecador, segue-se que a persuasão da linguagem humana, da voz do pregador, pedindo e implorando, pode ajudá-lo a fazer a escolha certa e induzi-lo a deixar Jesus entrar em seu coração!

Assim Cristo é travestido!

0h, com certeza, a salvação é a libertação do inferno e da condenação. "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece" (João 3.36). Mas, antes de tudo, a salvação é muito mais que a simples fuga do castigo e do inferno e um cheque no banco do céu que será descontado após a morte. É um prodígio do Todo-Poderoso, o qual vivifica os mortos e chama as coisas que não são como se fossem (Romanos 4.17). É uma obra na qual Deus se revelou a nós na "sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, operação da força do seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus" (Efésios 1.19, 20). É uma obra não menos divina e ainda mais gloriosa do que a obra da criação. Tudo o que é necessário para fazer do pecador, morto em pecado, cheio de inimizade contra Deus, amaldiçoando o Todo-Poderoso e levantando o punho rebelde à face do Senhor do céu e da terra, andando nas trevas e odiando a luz – para fazer de tal pecador um filho justo e santo de Deus, humildemente pedindo que Deus queira que ele queira, cheio do amor de Deus, e para sempre cantando Seus louvores, e colocar, esse pecador, portanto, resgatado e liberto, em comunhão de vida com a gloriosa companhia de todos os pecadores redimidos e glorificados, para que juntos constituam uma igreja, uma bela casa de Deus, um templo santo no Senhor, para o louvor da glória da Sua graça no Amado – tudo isso pertence à obra, à poderosa obra de Deus que é chamada de salvação!

Em segundo lugar, a salvação pela graça significa que é uma obra exclusivamente divina, absolutamente livre e soberana, na qual o homem não tem parte alguma e que em nenhum sentido a escolha dependerá da vontade do homem. Assim como a obra da criação foi apenas de Deus, que Ele realizou sem a cooperação da criatura, assim a obra da salvação é exclusivamente obra de Deus, na qual o homem não tem nenhuma parte. Assim como Adão viveu e foi uma criatura ativa, e não ao ou antes de ser criado, mas por virtude desta obra maravilhosa de Deus, assim o pecador vive, e torna-se positivamente ativo, de modo que ele quer ser salvo e abraçar a Cristo, não em cooperação com Deus, que quer salvá-lo, mas como resultado das maravilhas da graça feita sobre ele. A salvação pela graça significa que a graça está sempre em primeiro lugar. Verdade, "quem quiser pode vir", mas a vontade de vir não é proveniente da graça, mas subsequente a ela, como seu fruto.

Considere que das profundezas da escuridão e da morte a salvação liberta o homem e para que altura da vida e da glória o exalta, e julgue por si mesmo se, em qualquer fase particular desta obra maravilhosa de Deus, o homem poderia ser uma parte colaboradora de Deus. Popularmente, a salvação tem sido frequentemente definida como o prodígio de Deus pelo qual Ele liberta o pecador do mal maior e faz dele participante do bem maior. Mas o que é o maior mal do que a graça liberta o pecador? Ouça as palavras da Escritura em Efésios 2.1-3: "E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também". Esse é o mal do qual a graça nos salva!

E o que significa que, à parte da graça, estamos mortos em delitos e pecados?

Significa exatamente o que diz; que por nossos pecados, nós somos, por natureza, assim como mortos para Deus e à justiça, para toda boa obra, como o cadáver no túmulo está morto a toda atividade de qualquer tipo. Isso significa que, à parte da graça, somos totalmente incapazes de fazer qualquer bem, ou até mesmo de pensar ou desejar qualquer coisa que seja agradável a Deus. Estamos atados por dentro com algemas inquebráveis de trevas e corrupção. Somos escravos do pecado, escravos dispostos a ter a certeza, mas escravos que amam as trevas e não a luz. E esta morte espiritual, ética, é a própria ira de Deus sobre nós: a punição pelo pecado. Pois somos filhos da ira desde o nosso nascimento, culpados e condenáveis por causa da transgressão de Adão. E só podemos aumentar diariamente a nossa culpa e a nossa perdição.
Essa é a nossa miserável situação! Existe uma dívida que não pode ser paga, nem temos o interesse de pagá-la. Existe um poder de corrupção do qual não podemos nem libertaremos a nós mesmos. Há ira e condenação da qual nós nunca poderemos escapar, nem termos o interesse de, ou tentaremos fugir, pois somos inimigos de Deus, e a mente carnal é morte!

Em que a profundidade de graça horrível miséria se encontra o pecador.

Você imagina, então, que ele é capaz ou está disposto a cooperar com Deus para sua própria salvação, ou que qualquer apelo emocional e sentimental de um pregador irá convencê-lo a desejar buscar a salvação em Cristo? Eu lhe digo que não. Antes de a graça tomar conta desse pecador e levantá-lo dentre os mortos, ele sempre se recusará a aceitar a salvação oferecida e vai preferir a morte à vida, o pecado à justiça, o diabo a Deus! Ele deve ser salvo pela graça de um milagre divino!

Considere, também, até que alturas de glória a graça salva o pecador.

Ele é feito participante do bem maior! Mas o que é o bem maior? É a vida eterna! Sim, mas o que é a vida eterna? É uma espécie de estado carnalmente concebido de bem-aventurança eterna em um belo lugar chamado céu? Deus nos livre! 0h, com certeza, o céu é abençoado e bonito. Mas é assim, principalmente, porque Deus está lá, e Cristo está lá, e os santos em Cristo estão lá. E a bem-aventurança do céu consiste no fato de que é a casa de Deus, e que nessa casa habitemos em comunhão com o Deus vivo, uma comunhão que é mais íntima do que o primeiro homem, Adão, já provou: pois ela tem seu centro na Palavra encarnada de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo! Ser perfeitos filhos de Deus, Deus, conhecer como somos conhecidos, justos como Ele é justo, santos como Ele é santo, amando e amados para sempre, vê-Lo face a face, e ter o nosso prazer em fazer a Sua vontade e guardar Seus preceitos, amando-o com todo o nosso coração e mente e alma e força na perfeição e glória celeste – isso é a bem-aventurança do céu, e é a altura da glória a qual a graça nos eleva em Jesus Cristo, nosso Senhor! Mas você imagina que possa haver qualquer tipo de cooperação da parte do pecador miserável que nós acabamos de descrever para chegar a essa altura de perfeição? Ou você diria que o pecador que é um inimigo de Deus, embora anseie pela perfeita comunhão com Deus, que aquele que ama a escuridão é capaz de ansiar por esse estado de perfeição e de luz eterna? Eu digo que não. Ele é salvo por graça e pela graça somente, como um prodígio Daquele que ressuscita os mortos e chama as coisas que não são como se fossem!

Salvos pela graça! Libertos da ira, culpa, condenação, corrupção e morte – tudo pela graça! Vestidos com justiça, santidade, vida e glória – somente pela graça! Traduzidos à luz, da morte para a vida, da vergonha à glória, do inferno ao céu – tudo pelo poder da graça maravilhosa de Deus! E tudo por causa do amor eterno, soberano, daquele que escolheu as coisas que não são para reduzir a nada as coisas que são, para que nenhuma carne se glorie em Sua presença!
 

Fonte: Wonder of Grace, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, chapter 1, pp. 9-15.

Por baixo dos panos

Quatro meses depois de firmado, tratado entre Brasil e Vaticano são agora chama a atenção da sociedade e desperta críticas

Um acordo assinado entre o governo brasileiro e o Vaticano no fim do ano passado e que agora tramita no Congresso Nacional está deixando setores da Igreja Evangélica nacional bastante preocupados. Os detalhes, que começaram a ser acertados durante a visita do papa Bento XVI ao país, em 2007, estão no documento Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado no dia 13 de novembro de 2008, durante visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Estado do Vaticano. O instrumento leva as assinaturas dos ministros do Exterior da Santa Sé, D.Dominique Mamberto, e do Brasil, o chanceler Celso Amorim.Negociado sem um debate mais amplo e sem a divulgação adequada – apesar da comitiva de jornalistas que acompanhava o presidente, as notícias veiculadas sobre o assunto não detalharam aspectos do tratado –, o acordo, em tese, apenas regulamenta o funcionamento da Igreja Católica Apostólica Romana em território brasileiro. Mas também pode desencadear interpretações enviesadas e tendenciosas.
Submetido mês passado ao Legislativo na forma da Mensagem 134/2009, o documento deverá ser apreciado pelas Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) e pela de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC. No momento, o acordo aguarda a designação dos relatores responsáveis pelos pareceres em cada Comissão.Com 20 artigos, ele trata de diversos assuntos, incluindo amenidades como as relações diplomáticas entre a Santa Sé e o Estado brasileiro e o reconhecimento mútuo de títulos e graduações acadêmicas. Mas alguns de seus trechos geram polêmica, como o que trata do ensino religiosos nas escolas e da natureza e conservação do patrimônio da Igreja e instituições católicas. Representantes de órgãos ligados à Igreja Evangélica já manifestam preocupação. “A proposta de ensino religioso, nos termos do Artigo 11 do acordo, contrapõe o princípio de laicidade do Estado”, aponta o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper).
Em manifesto, a entidade reclama que o conteúdo do acordo não passou por um debate público, aberto e transparente sobre as implicações poderia trazer à sociedade brasileira. “O processo democrático exige que as questões de interesse público sejam amplamente debatidas pela sociedade”, lembra o Fonaper. O fórum expressa maior preocupação em relação à parte que trata do ensino religioso. No entender do organismo, a menção específica ao ensino católico nos currículos escolares contraia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.475), que estabelece que o ensino religioso deve ter caráter amplo, baseado nos princípios e valores comuns a toda as religiões “como forma de exercitar e promover a liberdade de concepções”. Para o Fonaper, a proposição poderia expressar uma concepção de ensino religioso a serviço das instituições religiosas – no caso, o catolicismo – e não da educação.“Poderia a Igreja Católica transformar tal espaço em aulas de religião, para catequização e doutrinação religiosa?”, indaga o manifesto.

Além disso, o status do tratado confere à Igreja Católica uma representatividade que as demais confissões jamais terão, já que é ligada a um Estado estrangeiro. O Colégio Episcopal da Igreja Metodista também veio a público manifestar sua contrariedade com a iniciativa, em nota assinada pelo seu presidente, bispo João Carlos Lopes. Lembrando que o direito à liberdade religiosa é um dos pilares das sociedades democráticas, o órgão denominacional denuncia que ele fere preceitos constitucionais relativos à separação entre a Igreja e o Estado e apela aos legisladores para que não referendem o acordo.

Patamar diferenciado – “Ratificar o acordo significará o Congresso Nacional alçar a Igreja Católica, por meio de um acordo internacional, a um patamar oficialmente diferenciado das demais religiões”, critica a professora Roseli Fischmann, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, uma vez aprovado pelo Legislativo, o texto – que chama de concordata entre um Estado laico, o Brasil, e um teocrático, o Vaticano – passa a integrar o direito brasileiro, “atropelando processos legislativos complexos como os que a ordem constitucional garante, tanto do ponto de vista processual da técnica legislativa, quanto das negociações políticas inerentes à democracia”. A estudiosa lembra que o texto assinado busca justificação baseando-se, de um lado, nos documentos do Concílio Vaticano II e no Código Canônico, o que, no seu entender, pode representar uma regulamentação da esfera civil baseada em normas religiosas. “A Igreja Católica, como religião, tem direito de escolher a norma que quiser para regulamentar a vida de seus seguidores, mas estes também precisam ver respeitados seus demais direitos como cidadãos brasileiros, sendo que poderão invocá-los quando quiserem, sem restrições ou privilégios.”
Outro item polêmico do acordo binacional é o que versa sobre isenções fiscais para rendas e patrimônios de pessoas jurídicas eclesiásticas, mencionadas no artigo 15. É que existe uma grande preocupação sobre o uso da imunidade tributária das receitas das igrejas, e não apenas a Católica. Uma das cláusulas determina que imóveis, documentos e objetos de arte sacra integram o patrimônio cultural brasileiro, e que tanto a Igreja quanto o poder público passam a ser responsáveis pela sua manutenção. Em tese, o dispositivo abre brecha para que recursos públicos sejam investidos na conservação de bens de natureza privada. “Mais que estabelecer o território dos templos católicos como se tivessem imunidade diplomática, o acordo estende seu braço normativo e restritivo de direitos estabelecidos pela Constituição Federal ao conjunto da cidadania brasileira”, insiste Roseli.
Apontada pelo Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé como instância representativa do catolicismo nacional junto ao governo brasileiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defende que seu conteúdo não concede privilégios à Igreja Católica. Em nota divulgada logo após a assinatura do tratado, aCNBB afirma que ele “não concede privilégios à Igreja Católica nem faz nenhuma discriminação com relação às outras confissões religiosas”. A senadora Ada Mello (PTB-AL) também defende a constitucionalidade do tratado. Segundo a parlamentar, ele apenas “formaliza aspectos já vigentes no dia-a-dia do país”.
Na verdade, o documento firmado entre o Executivo brasileiro e o Estado do Vaticano não foi uma resolução nova. Há alguns anos, a Santa Sé vem trabalhando para fazer com que o maior país católico do mundo firmasse o compromisso. O assunto foi discutido muitas vezes nos últimos anos dentro de vários ministérios em Brasília, visando à formulação do texto. O caráter sigiloso da matéria é que chama a atenção. De forma semelhante, em 2004, um tratado do gênero foi assinado entre o governo de Portugal, outra nação tradicionalmente católica, e o Vaticano. Desde então, uma comissão paritária , com membros nomeados pelas duas partes, tem poder de decisão sobre assuntos nacionais, como o ensino religioso nas escolas públicas.
“Na medida em que o acordo contenha direitos e prerrogativas para a Igreja Católica, esperamos que o governo brasileiro os estenda, com naturalidade, às demais confissões, pois trata-se de preceito constitucional que não pode ser ferido”, defende o pastor Walter Altmann, presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Em uma carta pastoral, o dirigente avalia a substância do acordo quanto às suas consequências e repercussões em relação à liberdade de culto, ao ensino religioso nas escolas públicas e ao reconhecimento dos ministros religiosos. “São assuntos que dizem respeito não apenas à Igreja Católica, mas também às demais igrejas. Nesse sentido, lamentamos que o acordo tenha sido elaborado, negociado e, por fim, assinado sem que tivesse havido uma troca de idéias e um diálogo com outras confissões religiosas, bem como com a sociedade em geral”, enfatiza a carta.

Fonte: Cristianismo HOje

Jesus Cristo, Superstar

Após dois mil anos, ensinamentos do Filho de Deus continuam influenciando o comportamento, o mundo corporativo, a mídia e a academia em plena era da informação

A primeira década do século 21 já está se acabando e, apesar do que arautos da modernidade apregoaram, Jesus Cristo continua em alta. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, caso estivesse vivo, ficaria decepcionado ao perceber que o Deus dos cristãos não morreu, conforme vaticinou. Se existe um personagem da História que nunca deixa de ser exaustivamente escrutinado esse é o pregador de Nazaré. Mais de dois mil anos se passaram, e seus ensinos ainda são objeto de estudo de intelectuais que se envolvem com interesse renovado nas mesmas discussões, controvérsias e debates em torno do Messias. Não foge a esta regra o mundo publicitário, o cinema, a televisão e a internet – e, quem diria, até a alta tecnologia contemporânea rende-se ao carisma inigualável do Filho de Deus. Enfim, a indústria do consumo “adora” Jesus, desde que fature bem. Devotos, ateus, intelectuais ou teólogos, cada um tem seu motivo para dissertar a respeito do Cristo, mesmo que o consenso acerca dele pareça mesmo impossível.
Contrariando completamente todos os postulados que relegam a religiosidade a um papel ignominioso na celebrada sociedade da informação, as eternas palavras de Jesus e seu estilo de vida também contribuem para o sucesso empresarial. Suas verdades têm sido fontes perenes e consistentes de subsídios na formulação das melhores práticas corporativas, especialmente nas estratégias para uma boa liderança. Que dizer, então, dos incontáveis livros de auto-ajuda cuja base é ninguém menos que o Salvador do mundo? O rabi da Galiléia também tem sido citado em palestras motivacionais, é tema de estudos neurolingüísticos e visto como modelo de gestor de pessoas. Para se usar um termo da moda, Cristo está cada vez mais essencial.
O mundo corporativo já percebeu isso faz tempo – e, mesmo que trazer a figura do Mestre para dentro da empresa não signifique, necessariamente, a conversão pessoal dos funcionários, os benefícios dessa parceria divina são muitos. “Assim como Cristo fez, ensinamos os líderes a serem servos, a entender e ouvir as pessoas”, aponta Eucimar Almeida, chairman para a América Latina da Strides Arcolab Limited, multinacional indiana que formou join-venture com a brasileira Cellofarm. “Procuramos usar de forma justa aquilo que ele sempre ensinou, ou seja: liderar com sabedoria, conciliar diferenças e jamais se omitir diante do erro.” Segundo ele, a Bíblia tem sido usada como parâmetro na empresa. “Depois que colocamos Cristo como ensinador e Mestre, o resultado tem sido extremamente significativo. Adotando métodos inspirados no que ele pregou, transformamo-nos na quinta maior indústria de medicamentos hospitalares do Brasil e estamos hoje em 12 países”, comemora o executivo.

Ensinamentos ‘cristomizáveis’– Outro que fez semelhante combinação foi Adilson Xavier, presidente da agência de publicidade Giovanni+Draftfcb, empresa sediada em São Paulo e com filiais em várias cidades brasileiras. O executivo encontra diversos paralelos entre a vida que Cristo viveu aqui na Terra com a realidade do mercado publicitário. Em agosto, Xavier lançou um livro no qual enfatiza que Jesus foi o comunicador mais eficiente de todos os tempos, “com formulações brilhantes e uma capacidade extraordinária de empolgar o público”, descreve. O autor, em O Deus da Criação, transformou os dez mandamentos, um dos trechos mais lidos e apreciados das Sagradas Escrituras, em um briefing do Todo-Poderoso para Moisés, onde constam até dicas para um brainstorm (termo que designa o processo criativo) eficiente numa agência de propaganda.
Aliás, achar soluções criativas para cada tipo de consumidor e oferecer-lhe produtos exclusivos, a chamada customização, tem ganhado uma nova versão, que bem poderia ser denominada “cristomização”. Esta também é a tática empresarial da corporação americana de TI, Apple, que lançou seu mundialmente badalado dispositivo móvel, o IPhone. O comercial no qual era anunciado o lançamento do produto começava, sugestivamente, com um céu cheio de nuvens, onde aparecia a inscrição Jesus Christ it’s coming (“Jesus Cristo vem”). A partir daí, o Senhor aparece como garoto-propaganda do celular 3G (terceira geração). Numa referência à tecnologia, que sempre se apresenta como algo poderoso e desejável, a novidade foi batizada como Jesus IPhone. Quem disse que a fé não pode ser high-tech?
Mas se o mercado se utiliza largamente da imagem de Jesus para vender produtos, o inverso também ocorre. Perry Noble, pastor da Newspring Church, igreja localizada em Anderson, Carolina do Sul (EUA), publicou em seu blog o inusitado artigo Jesus versus the I-Phone. Noble recomenda que, assim como o Xbox360 da Apple, os cristãos devem tornar Jesus disponível em todo lugar. Ele argumenta que a empresa, além de manter a simplicidade e universalizar seu produto, também maximiza o uso das tecnologias que fabrica. “Se a Apple pode lançar mão de tecnologia para causar um tremendo barulho em torno de seu telefone pessoal” – diz o religioso – “por que a Igreja não poderia fazer o mesmo? Jesus não é mais relevante que um IPhone?”, questiona. O líder da Newspring Church salienta ainda que essa companhia também conseguiu gerar grande expectativa em torno do lançamento de seu gadget digital. “Para todo lado que me virava, ouvia falar sobre o IPhone. Aqui é onde o cristianismo deveria usar o mesmo trunfo da Apple, e anunciar que o túmulo de Jesus está vazio. Cristo e sua Igreja são as coisas mais animadoras que surgiram no planeta, mas os cristãos ficaram dois mil anos tornando isso enfadonho e irrelevante”, critica.
Se a falta de entusiasmo de alguns seguidores do Senhor vem afetando negativamente a divulgação de sua mensagem, existe um outro extremo que os bens de consumo não podem satisfazer – afinal, o que estaria motivando indivíduos esclarecidos, e até muitos cientistas respeitados, a investigar a natureza da pessoa de Jesus com tanto afinco? “Cada geração tem uma conjuntura de idéias, fatos e modos de produção próprios. Isso exige que os homens repensem seu tempo e façam perguntas à eternidade e à história”, lembra Robinson Cavalcanti, bispo da Diocese Anglicana de Recife (PE). “A história da humanidade foi dividida em antes e depois de Cristo porque as pessoas sempre voltam a questionar sobre ele. Independente de o indivíduo ser intelectual, PhD ou alguém sem instrução, sempre será um ser humano e tem necessidade de fazer perguntas essenciais básicas”, avalia. “Não devemos separar rigidamente o Jesus histórico do Cristo de Deus. O que tem atraído a humanidade é justamente a riqueza da natureza de Jesus. Ter ao mesmo tempo palavras de diálogo com a mulher samaritana e um duro discurso contra certas instituições estabelecidas demonstra bem seu valor. O Jesus histórico, um personagem rico, não esgota o Cristo de Deus.

Necessidade de Deus – Mesmo assim, essa devoção a Jesus tem sido uma incógnita para muitos, simplesmente pelo fato de ainda existir gente que o adora e diz falar com ele todos os dias. É de se perguntar, então, o porquê de essa busca espiritual continuar tão intensa em pleno terceiro milênio, uma era de materialismo exacerbado e falência da religiosidade tradicional. Segundo o doutor em biofísica molecular e professor de teologia na Universidade de Oxford,  no Reino Unido, Alister MacGrath, tal anseio é sintomático: “A sede humana indica necessidade de água”, resume. Junto com a mulher, Joanna, ele é autor do livro O delírio de Dawkins – Uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins (Mundo Cristão), onde combatem a idéia de que a existência de Deus é mera questão intelectual.
Longe da filosofia e das discussões acadêmicas, para aqueles que o seguem Jesus tem sua melhor performance – a de Salvador. Muito mais que entender seu papel histórico ou o legado de sua obra perante o mundo moderno, os fiéis o vêem como alguém digno de ser amado e adorado. E o que ele significa para gente assim? “Tudo!”, responde com entusiasmo a dona de casa Noir da Silva, 49 anos. Evangélica há 20 anos, ela é uma mulher de humor contagiante que decidiu construir junto com o marido, o pastor Sidnei Silva, 45, uma igreja no bairro do Paraíso, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. “Ele trouxe vida ao meu coração”, declara Noir, que não esquece de mencionar os benefícios que diz ter recebido de Cristo: “Ele me ajudou durante uma gravidez difícil, salvou minha filha de um acidente automobilístico quando tinha oito anos e está recuperando a memória de meu pai, que é doente mental”, enumera, com uma fé simples. “Quando precisamos de socorro, clamamos a Jesus. Jesus, Jesus!”, brada.
Pois com Jesus no coração e uma idéia na cabeça, o casal conseguiu adquirir um terreno, erguendo do nada o que é hoje a Igreja Pentecostal Vale de Beraca, além de uma casa com dois andares. A ajuda esporádica surgia tão somente de algumas pessoas recém-chegadas a seu pequeno ponto de pregação – a maior parte, porém, partiu de investimentos da própria família. Segundo Noir, dentre os freqüentadores da congregação há quem, no passado, teve experiências com o submundo do tráfico e da prostituição; outros foram presidiários. Tipos que passaram a compor uma seleta comunidade que, além de ter se redimido, sequer lembram qualquer coisa parecida com a vida que levavam. Noir, que é vice-líder da igreja, tratou de apóia-los espiritualmente, psicologicamente e até com abrigo, comida e, às vezes, algum dinheiro. “Sempre tive vontade de ajudar os outros, e essa foi uma forma que encontrei de encontrar realização e ao mesmo tempo ser grata a Jesus”, diz.
Assim como Noir que, por se dedicar à causa social e espiritual em tributo a Cristo, não abre mão de recorrer a ele nas horas aflitivas, milhões de pessoas no mundo inteiro ainda não depositam todas as suas fichas na ciência como solução final para a humanidade. A explicação para isso, conforme avalia Ricardo Bitun, professor de sociologia e antropologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, vem de longe: “Muito do pensamento contemporâneo deriva dos iluministas, mas também tem forte influência do positivismo de Augusto Comte. Durante um bom tempo achou-se que a sociedade industrial cresceria a tal ponto que os mistérios da vida iriam desaparecer com o avanço da ciência”, destaca. Ledo engano. “Após a Segunda Guerra Mundial, a religião não desapareceu – pelo contrário, se revitalizou, pois as pessoas precisavam achar respostas para toda aquela crise, e isso ficou bem claro”, explica o especialista. “Claro que a ciência tem valor, mas uma coisa não exclui a outra”, conclui. Com título de doutor, Bitun é um intelectual que não abre mão da fé, já que também é pastor da Igreja Manain, naquela cidade. Ou seja, conhece muito bem os dois mundos de que está falando.


Paixão e polêmica na telona

Não é de hoje que a figura de Jesus Cristo inspira a cultura de massa. Ao longo de todo o século 20, diversos cineastas, produtores e distribuidores apostaram na popularidade da maior personalidade da História para conquistar multidões de espectadores e fortunas de bilheteria. Desde a popularização do cinema como a sétima arte, ele já foi retratado de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Quase sempre, cineastas e atores mantiveram uma certa reverência ao levar o Senhor para as telas, mas algumas produções chegaram a ser consideradas verdadeiras blasfêmias. Já em 1912, o filme Da manjedoura à cruz, em cinema mudo, emocionou as platéias,  apesar da precariedade técnica. Quatro anos depois, Intolerância, do diretor D.W.Griffith, já pôde ser considerada uma superprodução para a época, ao mostrar lances dramáticos da paixão de Cristo. Em 1927, foi a vez de Cecil B.de Mille criar a sua versão cinematográfica do Filho de Deus. O resultado é de fazer rir – Rei dos reis, em película preta e branca,é protagonizado por um Jesus louro, maquiado, de cabelos alisados à base de gomalina, perfil impensável para um judeu que viveu na empoeirada Galiléia do primeiro século.
Pier Paolo Pasolini ambientou a Palestina na sua Itália para rodar O Evangelho segundo São Mateus. O filme, de 1964, não é dos piores. Mas Enrique Irazoqui conseguiu roubar a cena, na pior acepção da palavra. Irascível e rude com seus discípulos e com quem encontrasse pelo caminho, o Cristo de Pasolini nada tinha a ver com quem é descrito pela Bíblia como “manso e humilde de coração”. Foi só na década seguinte que os filmes sobre a vida, paixão e obra de Jesus ganharam apuro técnico, fidedignidade aos evangelhos e revelaram grandes performances na telona. Considerado por muitos como o melhor do gênero, Jesus de Nazaré, de 1977, foi uma megaprodução do gênio Franco Zefirelli. Extremamente fiel aos textos bíblicos, o filme trouxe o ator Robert Powell magistral no papel-título. Com cenas que se tornaram antológicas, como os closes em contraluz, figurinos e locações impecáveis, Jesus de Nazaré virou um clássico.

Jesus em mil idiomas – Outro filme de muito sucesso é Jesus, produzido e distribuído mundialmente pela Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo com objetivos exclusivamente evangelísticos. Mas ninguém pense que a coisa é amadorística – ao contrário, Jesus, finalizado em 1979 com orçamento baixíssimo para os padrões do cinema, encanta pela emoção de suas cenas. Com versões dubladas para mais de mil línguas e dialetos, Jesus já foi assistido, segundo seus produtores, por mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. O filme tem sido veiculado também no Brasil, em cruzadas e campanhas evangelísticas. Outros cineastas preferiram seguir um caminho, digamos, menos ortodoxo ao tratar do tema. Jesus Cristo superstar, musical de Andrew Lloyd Webber, estreou em 1973 e virou cult ao tratar o Evangelho no auge da contracultura hippie. A última tentação de Cristo, de Martin Scorsese, trouxe Willian Dafoe na pele de um Cristo atormentado por paixões carnais e Je vou salus, Marie, assinado por Jean-Luc Godard,chegou a ser condenado pelo Vaticano ao sugerir que Maria nada tinha de santa.
Bem mais sério é A Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson, que estreou em 2003 e provocou forte impacto e muita polêmica. O impacto ficou por conta das cenas de um realismo impressionante. Jim Caviezel, o Jesus escolhido por Gibson, é submetido a um massacre tão intenso que muitos espectadores chegaram a passar mal. E a polêmica ficou por conta da reação dos judeus, indignados com o papel de vilões que supostamente a história lhes imputa. Tudo para confirmar as palavras do próprio Cristo, registradas no evangelho de Lucas, 12.51: “Cuidais vós que vim trazer paz à terra? Não, vos digo, mas antes dissensão”.

Fonte: Cristianismo Hoje