É, sem dúvida, um grande exagero de comentaristas da imprensa britânica falar em uma refundação católica da Inglaterra, com Bento XVI na Abadia de Westminster (onde são coroados os reis) falando o que queria para a liderança – inclusive política – do Reino Unido, mas se pode falar em uma reafirmação do Cristianismo ortodoxo.
O Papa não foi convidado nem pelo Arcebispo de Cantuária nem pelo Arcebispo de Westminster (líder da hierarquia católica romana), mas pela rainha Elizabeth II (de posições teológicas e morais conservadoras, descontente com os escorregadios liberais), para uma visita de Chefe de Estado (da Cidade do Vaticano) e não do Chefe da Igreja Romana. No palanque da recepção apenas Chefes de Estado, com os líderes religiosos em segundo plano. Em segundo lugar, a visita começa pela Escócia, onde a religião oficial é a Igreja da Escócia (Presbiteriana), e a Igreja Episcopal da Escócia (Anglicana) é uma das tantas igrejas livres, e inexpressiva (1% da população). O primeiro dia ficou no eixo Edimburgo-Glasgow, e, obviamente, não se foi à Irlanda do Norte, porque o clima religioso por lá ainda não é de todo ameno...
Na Inglaterra, para os bramanistas, islâmicos e sikhs havia apenas a curiosidade em torno de um “homem santo” de parte de alguns brancos. As vibrantes igrejas cristãs de imigrantes caribenhos, como sempre, se mantém a margem dos movimentos sociais. Os evangélicos conservadores de centro: Conselho dos Evangélicos da Inglaterra (interdenominacional) e Conselho dos Evangélicos da Igreja da Inglaterra viram no Papa um aliado tático e transcreveram passagens convergentes dos seus discursos. Os setores mais protestantes do anglicanismo, como o Reform, o Church Society e o Prayer Book Society, tiveram comportamento semelhante, além de terem reduzido espaço público. Os protestantes liberais (metodistas, congregacionais, presbiterianos, batistas = maioria; e anglicanos = minoria) demonstraram claramente o seu descontentamento com a visita papal, mas sua força é muito limitada no conjunto da população, fora de alguns seminários teológicos, publicações e órgãos do governo.
Vale salientar que não somente o número de anglicanos praticantes é pequeno (5% dos 27 milhões de batizados), mas o mesmo acontece com a minoria católica romana (10% da população), com índices anuais de declínio de frequência às missas. Em sendo assim, um número aproximado de meio milhão de pessoas (pagantes de um ingresso) entre Escócia e Inglaterra, que assistiram às Missas Campais, pode ser, nesse contexto descristianizante, um relativo sucesso, além da cobertura pela mídia.
A Guerra (Nada) Santa se deu entre o papa e os papistas, de um lado, e a crescente, articulada e agressiva fração militante secularista no Governo, na Academia e na Mídia, que abriu fogo de obuses contra os gastos com a visita, contra o convite da rainha, contra a figura do papa, e, muito particularmente, contra as ideias reacionárias, nojentas, contrárias ao pensar da Inglaterra de hoje, etc. Foi chumbo grosso. A rainha manteve o convite. O papa veio. Os convidados para os eventos oficiais apareceram (com um Arcebispo de Cantuária apagado) e Bento XVI, impassível, disse o que queria dizer, curto e grosso, sabendo do rebu que estava causando.
A História não foi mudada, e o Reino Unido Moderno é fruto do Protestantismo. O Liberalismo interno o tem debilitado. O Secularismo antireligioso, antimonoteísta, e, particularmente, anticristão é um dos mais fortes no processo de descristianização da Europa. Os Bispos Anglicanos da África já disseram, em sua última Conferência, que vão enviar missionários para re-converter a pátria-mãe e o continente, o que coincide com o discurso de re-evangelização da Europa pelo Chefe da Igreja de Roma.
Os Secularistas (e os Liberais) perderam uma batalha nessa guerra prolongada. O papa marcou um tento. Mas a velha Albion não deixou de ser protestante e nem se converteu ao romanismo. Muita gente boa às margens do Tâmisa não tem a mínima intenção de cruzar o Tibre...
Recife (PE), 22 de setembro de 2010,
Anno Domini.
+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano
Diocese do Recife - Comunhão Anglicana
(das 8h às 13h)
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"Espiritualidade é colocar em prática o discernimento da vontade de Deus para a vida comunitária em todas as suas dimensões. A espiritualidade é um dom e uma tarefa" (René Padilha)
Fonte: Comunhão Anglicana Diocese do Recife
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