sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Jesus Cristo, Superstar

Após dois mil anos, ensinamentos do Filho de Deus continuam influenciando o comportamento, o mundo corporativo, a mídia e a academia em plena era da informação

A primeira década do século 21 já está se acabando e, apesar do que arautos da modernidade apregoaram, Jesus Cristo continua em alta. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, caso estivesse vivo, ficaria decepcionado ao perceber que o Deus dos cristãos não morreu, conforme vaticinou. Se existe um personagem da História que nunca deixa de ser exaustivamente escrutinado esse é o pregador de Nazaré. Mais de dois mil anos se passaram, e seus ensinos ainda são objeto de estudo de intelectuais que se envolvem com interesse renovado nas mesmas discussões, controvérsias e debates em torno do Messias. Não foge a esta regra o mundo publicitário, o cinema, a televisão e a internet – e, quem diria, até a alta tecnologia contemporânea rende-se ao carisma inigualável do Filho de Deus. Enfim, a indústria do consumo “adora” Jesus, desde que fature bem. Devotos, ateus, intelectuais ou teólogos, cada um tem seu motivo para dissertar a respeito do Cristo, mesmo que o consenso acerca dele pareça mesmo impossível.
Contrariando completamente todos os postulados que relegam a religiosidade a um papel ignominioso na celebrada sociedade da informação, as eternas palavras de Jesus e seu estilo de vida também contribuem para o sucesso empresarial. Suas verdades têm sido fontes perenes e consistentes de subsídios na formulação das melhores práticas corporativas, especialmente nas estratégias para uma boa liderança. Que dizer, então, dos incontáveis livros de auto-ajuda cuja base é ninguém menos que o Salvador do mundo? O rabi da Galiléia também tem sido citado em palestras motivacionais, é tema de estudos neurolingüísticos e visto como modelo de gestor de pessoas. Para se usar um termo da moda, Cristo está cada vez mais essencial.
O mundo corporativo já percebeu isso faz tempo – e, mesmo que trazer a figura do Mestre para dentro da empresa não signifique, necessariamente, a conversão pessoal dos funcionários, os benefícios dessa parceria divina são muitos. “Assim como Cristo fez, ensinamos os líderes a serem servos, a entender e ouvir as pessoas”, aponta Eucimar Almeida, chairman para a América Latina da Strides Arcolab Limited, multinacional indiana que formou join-venture com a brasileira Cellofarm. “Procuramos usar de forma justa aquilo que ele sempre ensinou, ou seja: liderar com sabedoria, conciliar diferenças e jamais se omitir diante do erro.” Segundo ele, a Bíblia tem sido usada como parâmetro na empresa. “Depois que colocamos Cristo como ensinador e Mestre, o resultado tem sido extremamente significativo. Adotando métodos inspirados no que ele pregou, transformamo-nos na quinta maior indústria de medicamentos hospitalares do Brasil e estamos hoje em 12 países”, comemora o executivo.

Ensinamentos ‘cristomizáveis’– Outro que fez semelhante combinação foi Adilson Xavier, presidente da agência de publicidade Giovanni+Draftfcb, empresa sediada em São Paulo e com filiais em várias cidades brasileiras. O executivo encontra diversos paralelos entre a vida que Cristo viveu aqui na Terra com a realidade do mercado publicitário. Em agosto, Xavier lançou um livro no qual enfatiza que Jesus foi o comunicador mais eficiente de todos os tempos, “com formulações brilhantes e uma capacidade extraordinária de empolgar o público”, descreve. O autor, em O Deus da Criação, transformou os dez mandamentos, um dos trechos mais lidos e apreciados das Sagradas Escrituras, em um briefing do Todo-Poderoso para Moisés, onde constam até dicas para um brainstorm (termo que designa o processo criativo) eficiente numa agência de propaganda.
Aliás, achar soluções criativas para cada tipo de consumidor e oferecer-lhe produtos exclusivos, a chamada customização, tem ganhado uma nova versão, que bem poderia ser denominada “cristomização”. Esta também é a tática empresarial da corporação americana de TI, Apple, que lançou seu mundialmente badalado dispositivo móvel, o IPhone. O comercial no qual era anunciado o lançamento do produto começava, sugestivamente, com um céu cheio de nuvens, onde aparecia a inscrição Jesus Christ it’s coming (“Jesus Cristo vem”). A partir daí, o Senhor aparece como garoto-propaganda do celular 3G (terceira geração). Numa referência à tecnologia, que sempre se apresenta como algo poderoso e desejável, a novidade foi batizada como Jesus IPhone. Quem disse que a fé não pode ser high-tech?
Mas se o mercado se utiliza largamente da imagem de Jesus para vender produtos, o inverso também ocorre. Perry Noble, pastor da Newspring Church, igreja localizada em Anderson, Carolina do Sul (EUA), publicou em seu blog o inusitado artigo Jesus versus the I-Phone. Noble recomenda que, assim como o Xbox360 da Apple, os cristãos devem tornar Jesus disponível em todo lugar. Ele argumenta que a empresa, além de manter a simplicidade e universalizar seu produto, também maximiza o uso das tecnologias que fabrica. “Se a Apple pode lançar mão de tecnologia para causar um tremendo barulho em torno de seu telefone pessoal” – diz o religioso – “por que a Igreja não poderia fazer o mesmo? Jesus não é mais relevante que um IPhone?”, questiona. O líder da Newspring Church salienta ainda que essa companhia também conseguiu gerar grande expectativa em torno do lançamento de seu gadget digital. “Para todo lado que me virava, ouvia falar sobre o IPhone. Aqui é onde o cristianismo deveria usar o mesmo trunfo da Apple, e anunciar que o túmulo de Jesus está vazio. Cristo e sua Igreja são as coisas mais animadoras que surgiram no planeta, mas os cristãos ficaram dois mil anos tornando isso enfadonho e irrelevante”, critica.
Se a falta de entusiasmo de alguns seguidores do Senhor vem afetando negativamente a divulgação de sua mensagem, existe um outro extremo que os bens de consumo não podem satisfazer – afinal, o que estaria motivando indivíduos esclarecidos, e até muitos cientistas respeitados, a investigar a natureza da pessoa de Jesus com tanto afinco? “Cada geração tem uma conjuntura de idéias, fatos e modos de produção próprios. Isso exige que os homens repensem seu tempo e façam perguntas à eternidade e à história”, lembra Robinson Cavalcanti, bispo da Diocese Anglicana de Recife (PE). “A história da humanidade foi dividida em antes e depois de Cristo porque as pessoas sempre voltam a questionar sobre ele. Independente de o indivíduo ser intelectual, PhD ou alguém sem instrução, sempre será um ser humano e tem necessidade de fazer perguntas essenciais básicas”, avalia. “Não devemos separar rigidamente o Jesus histórico do Cristo de Deus. O que tem atraído a humanidade é justamente a riqueza da natureza de Jesus. Ter ao mesmo tempo palavras de diálogo com a mulher samaritana e um duro discurso contra certas instituições estabelecidas demonstra bem seu valor. O Jesus histórico, um personagem rico, não esgota o Cristo de Deus.

Necessidade de Deus – Mesmo assim, essa devoção a Jesus tem sido uma incógnita para muitos, simplesmente pelo fato de ainda existir gente que o adora e diz falar com ele todos os dias. É de se perguntar, então, o porquê de essa busca espiritual continuar tão intensa em pleno terceiro milênio, uma era de materialismo exacerbado e falência da religiosidade tradicional. Segundo o doutor em biofísica molecular e professor de teologia na Universidade de Oxford,  no Reino Unido, Alister MacGrath, tal anseio é sintomático: “A sede humana indica necessidade de água”, resume. Junto com a mulher, Joanna, ele é autor do livro O delírio de Dawkins – Uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins (Mundo Cristão), onde combatem a idéia de que a existência de Deus é mera questão intelectual.
Longe da filosofia e das discussões acadêmicas, para aqueles que o seguem Jesus tem sua melhor performance – a de Salvador. Muito mais que entender seu papel histórico ou o legado de sua obra perante o mundo moderno, os fiéis o vêem como alguém digno de ser amado e adorado. E o que ele significa para gente assim? “Tudo!”, responde com entusiasmo a dona de casa Noir da Silva, 49 anos. Evangélica há 20 anos, ela é uma mulher de humor contagiante que decidiu construir junto com o marido, o pastor Sidnei Silva, 45, uma igreja no bairro do Paraíso, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. “Ele trouxe vida ao meu coração”, declara Noir, que não esquece de mencionar os benefícios que diz ter recebido de Cristo: “Ele me ajudou durante uma gravidez difícil, salvou minha filha de um acidente automobilístico quando tinha oito anos e está recuperando a memória de meu pai, que é doente mental”, enumera, com uma fé simples. “Quando precisamos de socorro, clamamos a Jesus. Jesus, Jesus!”, brada.
Pois com Jesus no coração e uma idéia na cabeça, o casal conseguiu adquirir um terreno, erguendo do nada o que é hoje a Igreja Pentecostal Vale de Beraca, além de uma casa com dois andares. A ajuda esporádica surgia tão somente de algumas pessoas recém-chegadas a seu pequeno ponto de pregação – a maior parte, porém, partiu de investimentos da própria família. Segundo Noir, dentre os freqüentadores da congregação há quem, no passado, teve experiências com o submundo do tráfico e da prostituição; outros foram presidiários. Tipos que passaram a compor uma seleta comunidade que, além de ter se redimido, sequer lembram qualquer coisa parecida com a vida que levavam. Noir, que é vice-líder da igreja, tratou de apóia-los espiritualmente, psicologicamente e até com abrigo, comida e, às vezes, algum dinheiro. “Sempre tive vontade de ajudar os outros, e essa foi uma forma que encontrei de encontrar realização e ao mesmo tempo ser grata a Jesus”, diz.
Assim como Noir que, por se dedicar à causa social e espiritual em tributo a Cristo, não abre mão de recorrer a ele nas horas aflitivas, milhões de pessoas no mundo inteiro ainda não depositam todas as suas fichas na ciência como solução final para a humanidade. A explicação para isso, conforme avalia Ricardo Bitun, professor de sociologia e antropologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, vem de longe: “Muito do pensamento contemporâneo deriva dos iluministas, mas também tem forte influência do positivismo de Augusto Comte. Durante um bom tempo achou-se que a sociedade industrial cresceria a tal ponto que os mistérios da vida iriam desaparecer com o avanço da ciência”, destaca. Ledo engano. “Após a Segunda Guerra Mundial, a religião não desapareceu – pelo contrário, se revitalizou, pois as pessoas precisavam achar respostas para toda aquela crise, e isso ficou bem claro”, explica o especialista. “Claro que a ciência tem valor, mas uma coisa não exclui a outra”, conclui. Com título de doutor, Bitun é um intelectual que não abre mão da fé, já que também é pastor da Igreja Manain, naquela cidade. Ou seja, conhece muito bem os dois mundos de que está falando.


Paixão e polêmica na telona

Não é de hoje que a figura de Jesus Cristo inspira a cultura de massa. Ao longo de todo o século 20, diversos cineastas, produtores e distribuidores apostaram na popularidade da maior personalidade da História para conquistar multidões de espectadores e fortunas de bilheteria. Desde a popularização do cinema como a sétima arte, ele já foi retratado de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Quase sempre, cineastas e atores mantiveram uma certa reverência ao levar o Senhor para as telas, mas algumas produções chegaram a ser consideradas verdadeiras blasfêmias. Já em 1912, o filme Da manjedoura à cruz, em cinema mudo, emocionou as platéias,  apesar da precariedade técnica. Quatro anos depois, Intolerância, do diretor D.W.Griffith, já pôde ser considerada uma superprodução para a época, ao mostrar lances dramáticos da paixão de Cristo. Em 1927, foi a vez de Cecil B.de Mille criar a sua versão cinematográfica do Filho de Deus. O resultado é de fazer rir – Rei dos reis, em película preta e branca,é protagonizado por um Jesus louro, maquiado, de cabelos alisados à base de gomalina, perfil impensável para um judeu que viveu na empoeirada Galiléia do primeiro século.
Pier Paolo Pasolini ambientou a Palestina na sua Itália para rodar O Evangelho segundo São Mateus. O filme, de 1964, não é dos piores. Mas Enrique Irazoqui conseguiu roubar a cena, na pior acepção da palavra. Irascível e rude com seus discípulos e com quem encontrasse pelo caminho, o Cristo de Pasolini nada tinha a ver com quem é descrito pela Bíblia como “manso e humilde de coração”. Foi só na década seguinte que os filmes sobre a vida, paixão e obra de Jesus ganharam apuro técnico, fidedignidade aos evangelhos e revelaram grandes performances na telona. Considerado por muitos como o melhor do gênero, Jesus de Nazaré, de 1977, foi uma megaprodução do gênio Franco Zefirelli. Extremamente fiel aos textos bíblicos, o filme trouxe o ator Robert Powell magistral no papel-título. Com cenas que se tornaram antológicas, como os closes em contraluz, figurinos e locações impecáveis, Jesus de Nazaré virou um clássico.

Jesus em mil idiomas – Outro filme de muito sucesso é Jesus, produzido e distribuído mundialmente pela Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo com objetivos exclusivamente evangelísticos. Mas ninguém pense que a coisa é amadorística – ao contrário, Jesus, finalizado em 1979 com orçamento baixíssimo para os padrões do cinema, encanta pela emoção de suas cenas. Com versões dubladas para mais de mil línguas e dialetos, Jesus já foi assistido, segundo seus produtores, por mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. O filme tem sido veiculado também no Brasil, em cruzadas e campanhas evangelísticas. Outros cineastas preferiram seguir um caminho, digamos, menos ortodoxo ao tratar do tema. Jesus Cristo superstar, musical de Andrew Lloyd Webber, estreou em 1973 e virou cult ao tratar o Evangelho no auge da contracultura hippie. A última tentação de Cristo, de Martin Scorsese, trouxe Willian Dafoe na pele de um Cristo atormentado por paixões carnais e Je vou salus, Marie, assinado por Jean-Luc Godard,chegou a ser condenado pelo Vaticano ao sugerir que Maria nada tinha de santa.
Bem mais sério é A Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson, que estreou em 2003 e provocou forte impacto e muita polêmica. O impacto ficou por conta das cenas de um realismo impressionante. Jim Caviezel, o Jesus escolhido por Gibson, é submetido a um massacre tão intenso que muitos espectadores chegaram a passar mal. E a polêmica ficou por conta da reação dos judeus, indignados com o papel de vilões que supostamente a história lhes imputa. Tudo para confirmar as palavras do próprio Cristo, registradas no evangelho de Lucas, 12.51: “Cuidais vós que vim trazer paz à terra? Não, vos digo, mas antes dissensão”.

Fonte: Cristianismo Hoje

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