segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mudanças Climáticas e a Responsabilidade Cristã




Durante muito tempo o ser humano considerou que a exploração das riquezas naturais fosse símbolo de sua liberdade e poder. No entanto, isso provocou conseqüências desastrosas e, em alguns casos, irreversíveis. Quem ainda não ouviu falar de mudanças climáticas causadas pelo efeito estufa por conta da elevação da temperatura da terra? Resultados: enchentes diluvianas ou secas prolongadas, desertificação de grandes áreas, erosão de solos férteis, desmatamentos na Amazônia, ou seja, estamos diante de uma crise ecológica com alterações na biodiversidade e no desequilíbrio dos ecossistemas. A palavra “ecologia” é formada das palavras gregas oikos (casa) e logos (palavra, conhecimento).
Assim, ecologia é a ciência da nossa “casa comum”, ou seja, o meio ambiente, a natureza, a terra. Essa “casa” está sendo mal tratada, e até mesmo destruída. Mas, a mudança climática, que já é uma realidade, não está sozinha, a bem da verdade é conseqüência de uma mudança na escala de valores da sociedade de hoje. A pós-modernidade insere a idéia de que a felicidade depende da aquisição crescentes de bens materiais. Com isso, somos levados ao hedonismo, ao consumo desnecessário e opulento. Trata-se de um ciclo fatal. De um lado, precisamos alimentar nosso desejo consumista, por outro, a indústria precisa produzir mais e mais para atender aos consumistas mais exigentes de novas tecnologias, resultado: a exploração irresponsável dos recursos naturais. Essa crise ecológica questiona os próprios fundamentos da sociedade de hoje: individualismo, industrialização, consumismo, “cristianismo”. Cristianismo? Por que cristianismo? O que eu tenho a ver com isso?


Justificando-se na Bíblia, muitos interpretam o texto de Gn 1.26-28, que o ser humano deveria dominar a natureza para benefício próprio. Os vocábulos “subjugar e dominar” indicam um chamado para continuar a obra da criação iniciada por Deus e sua preservação, não o contrário. Dominar no sentido de uma preocupação pela preservação das bases de vida humana.
A nossa tarefa em relação a natureza é ser guardião e pastor. A terra é dom de Deus. “Do Senhor é a terra e a sua plenitude” (Sl 24.1a). Há no Antigo Testamento o aspecto da “inalienabilidade” da terra. O que isso quer dizer? Veja a terra é dom de Deus. Somente por isso ela não pode ser vendida ou negociada. Os israelitas podiam recebê-la ou deixá-la como herança, contudo, jamais podiam comercializá-la como propriedade ou simplesmente como uma mercadoria. Por ser de Deus ela será nossa à medida que reconhecermos que Deus a colocou sob nossa responsabilidade.
Para a fé cristã, a Bíblia indica o caminho ideal e adequado para compreender as questões ambientais, contrários a um antropocentrismo extremado, que é totalmente responsável pela crise ambiental. Infelizmente essa é a postura de muitos cristãos egoístas e omissos. É esse “cristianismo” alienado e alienante que deve ser questionado.


A crise ecológica, com suas inevitáveis conseqüências, é interpretada por muitos cristãos por uma forma inteiramente apocalíptica. Inserem as calamidades, como a de Santa Catarina, como um dado interpretativo dos fins dos tempos. À luz das Escrituras, estaríamos diante do caos apocalíptico. Tudo estaria acontecendo para cumprir a Palavra de Deus. Acrescenta-se, ainda, a crise econômica, como um palco armado para receber o anticristo. Inclusive a eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, como desejo, não só dos americanos, mas de todo mundo. Como pré-tribulacionistas e dispensacionalistas, entendemos que haverá mudanças terríveis na humanidade. Principalmente quando o Senhor Jesus estiver à porta para buscar sua Igreja. Já que a Igreja não passará pela grande tribulação. Porém, o que me chama atenção com a catástrofe em Santa Catarina, com centenas de mortos e milhares de desabrigados; com a forte chuva no norte fluminense que provocou tantas outras desgraças, não é uma leitura apocalíptica num primeiro momento, mas até aonde vai nossa responsabilidade, enquanto cristãos que somos, com a “terra que é do Senhor” – falo que Jesus está voltando. E tudo tem mesmo que acontecer para se cumprir a Palavra de Deus, contudo, tenho sido igual a todo mundo. Vivo um consumismo exacerbado, irresponsável. Sou a favor do uso indiscriminado e predatório da natureza, quando não pela ideologia, mas sim pela prática consumista – enfim, justifico dessa forma o que está acontecendo com o mundo. Essa leitura é a correta?


Nesse tempo de crise que estamos vivendo, é necessário assumir o desafio de repensar a nossa postura cristã diante das crises. Deixarmos de ser hipócritas e assumirmos uma atitude autêntica e responsável. O homem como “imagem de Deus” está estreitamente relacionado com a ordem divina de “reinar” (radah) na criação, isto é, exercer nela um governo pastoril. Como “imagem de Deus” somos a manifestação da glória de Deus no mundo, e não o contrário; somos interlocutores de Deus na terra e, enquanto tais, precisamos reagir, e não ficarmos passivos e omissos.
Temos que defender a terra e não destruí-la; somos os verdadeiros representantes de Deus diante da criação, diante do mundo. Como a criação aponta inteiramente para Deus e, a parti daí todas os crentes impregnam em si possibilidades que deveriam antecipar um novo tempo, o Reino de Deus. Assim, o cristão como sinal efetivo da glória de Deus, que deverá se manifestar no final dos tempos deve, então, assumir a sua missão, no sentido de ajudar a orientar a humanidade para que ela encontre sua plenitude em Deus. Na verdade, parece que estamos quase sempre adormecidos espiritualmente, alienados e descompromissados com a história humana, já que estamos tão ocupados com nossas tarefas diárias. Cegos, vagamos pela vida, em meio à escuridão da noite, e para onde focarmos nossa atenção encontraremos o nada em toda parte.
O pessimismo apocalíptico nos anula inteiramente. Já que tudo vai acabar, então, não perderei tempo com esses assuntos. Mas não é assim. Deus não está fora e além do universo. Ele está em mim, habita em mim (Rm 8.11). Ele está (ou deveria estar) nas minhas palavras e atitudes. O cristão pode e deve assumir em consciência uma atitude de respeito à vida que pulsa na natureza. A Igreja tem a tarefa de apontar para um caminho comprovadamente de transformação interior, para uma conversão de atitudes, primeiro para consigo mesma, depois para com o próximo e, também para com a natureza.


É necessário semear coisas boas em nós, como o amor comprometido e responsável, já que ele é o fio condutor da história. Como o pintor que tinge a tela, o amor plasma e dá o colorido a história da pessoa humana. Fica de fora todo egoísmo (Rm 12.10). O amor de Deus, que da cruz respingou sobre a terra, e nos foi oferecido de forma graciosa e voluntária para ressoar em todo mundo; capaz de transformar e transfigurar a imagem pecadora do homem na imagem bela e eterna de Deus (1Co 3.18). O pecado, a maldade, a irresponsabilidade, mesmo em relação à terra, desaparecerão (Ap 21.8).
No fim de tudo só permanecerá o amor (1Co 13.8). É preciso acreditar que o bem vence o mal, que existe mais bondade que maldade no mundo de hoje: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16). Desgraças, flagelos, calamidades, males naturais e males causados pelo homem, não podem nos fazer desistir. É o nosso grande desafio para hoje. Veja que os tempos mais difíceis e mais cruciais em geral são, paradoxalmente, os mais fecundos e criativos, onde surgem as grandes oportunidades de se fazer a diferença. Esse é o tempo da Igreja (Mc 16.15), é o tempo de mudanças, de posturas diferentes, de atitudes efetivas, de mostrarmos ao mundo o cristão que somos. A natureza nos ensina a amar com esperança, a meditar, e a ouvir nosso íntimo. Ela nos transporta a Deus, manifesta a glória de Deus (Sl 19.1), quer por meio de sua beleza deslumbrante, quer pelas manifestações mais fortes e destruidoras, indicando assim nossa pequenez, provocando, diante das calamidades, uma sensação de impotência e total dependência de Deus. Mas também, mostra a nossa passividade e insensatez. O descuido e a irresponsabilidade com os recursos naturais trazem sérios problemas e põem em perigo a sobrevivência dos seres vivos e a felicidade dos seres humanos. Trata-se de uma dimensão de pecado que requer urgentemente uma atitude de conversão. Não é só uma crise ambiental, mas também ética, em que eu e você não podemos ficar indiferentes, sob pena de sermos infiéis a missão estabelecida por Cristo.


Pr. Eliezer Alves de Assis

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